Imagine entrar num cinema à noite para ver “King Kong”, em 1933. Naquele momento não existiam redes sociais. Jornais, revistas e o rádio eram as principais fontes de informação para o público em geral. Ninguém poderia imaginar que um boneco articulado, de pouco mais de 30 centímetros, causasse tanto medo e sustos durante aquela sessão de cinema.
Agora, imagine se você fosse convidado para ver uma sessão de “Nosferatu”, que chegou às telas dos cinemas em 1922. O filme fala de uma criatura das trevas, que se alimenta de sangue humano, fruto dos ataques que esse ser maligno faz às aldeias da região onde está localizado seu castelo. A chance de você voltar para casa com medo das sombras era muito grande.
No auge do cinema mudo, o cineasta alemão F. W. Murnau, conhecido pelo filme de terror e mistério, “O Castelo Vogelöd”, decidiu que já era tempo de produzir um filme baseado no vampiro mais famoso da literatura, Drácula, escrito por Bram Stocker. O problema é que a negociação com a família de Stocker foi mais difícil do que Murnau poderia imaginar. Na negativa de adaptar o livro de Stocker, Murnau decidiu fazer o filme, tendo como fonte de inspiração o livro Drácula, lançado em 1897.
Ele alterou o nome dos personagens e mudou algumas cenas para conseguir fazer sua visão do vampiro clássico. Drácula foi substituído pelo Conde Orlok, assustadoramente interpretado por Max Scherek, o ator alemão de 1,90cm de altura, que teve em “Nosferatu” a grande virada em sua carreira. Curiosamente, Orlok só aparece no filme 25 minutos após o início que, para Murnau, deixaria o público mais curioso e mais assustado pelo que estava para acontecer.
Quem conhece a história de Drácula, não se surpreende com o que acontece em “Nosferatu”. É uma criatura sobrenatural centenária, que se alimenta do sangue humano e descansa em seu caixão durante o dia para visitar, à noite, o pescoço inocente dos moradores da região.
Não existe uma tese científica sobre filmes de terror e o medo. O fato é que quanto mais se sabe sobre o desconhecido, menos ele deixa de gelar as veias do público que entra numa sala escura para ver algo além da imaginação. Logo, quem assistiu ao filme em 1922, saiu do cinema com a decisão de ter uma cruz em casa, réstias de alho penduradas nas janelas, e ficar atento a movimentos estranhos vindos do lado de fora da casa.
Nosferatu causou um grande impacto em todos os países onde foi exibido, classificado como um dos primeiros grandes filmes de terror da Era do Cinema Mudo. O sucesso, bom para a carreira do cineasta alemão, também o fez enfrentar um processo movido pela família de Stocker, acusando-o de plágio.
O filme ganhou seu reconhecimento histórico com o passar do tempo. Nos anos 80, um grupo de restauradores francês começou a procurar cópias do filme para tentar recuperar esse filme histórico, selecionado pelo Vaticano na categoria “arte” de sua lista de 45 “grandes filmes”.
A perda do processo para a família de Stocker fez com que o material original fosse destruído. Ao longo dos anos, a busca se intensificou para conseguir a melhor cópia possível para ser restaurada. Para sorte dos restauradores, ter o roteiro original do filme foi fundamental para “montar” Nosferatu novamente. A cada nova cópia encontrada, mais chance de conseguir restaurar essa obra-prima do medo.
Com “Nosferatu”, F.W. Murnau lançou um novo gênero no cinema mudo, o terror, que era mais impactante do que o suspense dos filmes românticos de detetive ou aventuras, feitos naquela época. Em 1979, o cineasta alemão Werner Herzog colocou Klaus Kinski no papel do vampiro para sua versão de Nosferatu. Recentemente, o diretor Robert Eggers, do sinistro “O Farol” (2019), também fez sua versão da obra de Murnau, com Bill Skarsgard no papel do conde Orlok. É bom lembrar que Bill foi Pennywise, o palhaço assustador de “It – A Coisa (2017)”.
“Nosferatu” é uma aula de manipulação do inconsciente, elevando ao máximo a adrenalina de quem conseguiu assistir ao filme até o fim. É claro que estou falando de quem viu o filme na época, e que não pôde passar suas impressões emocionais em sua rede social.
Hoje, “Nosferatu” de Murnau é considerado uma grande aula de cinema. Não causa tanto medo e sustos para o público do século 21. Mas porque alguém decidiu que era chegado o momento de algo novo e interessante na tela do cinema. Nada mal para um filme que foi proibido de ser exibido na Suécia até 1972. Motivo: as cenas de violência causada por uma criatura das trevas.
“Nosferatu” é uma das grandes atrações disponíveis no Looke. E sim, é uma cópia restaurada.