O realismo fantástico de Mr. K

Em Mr. K, Crispin Glover interpreta um mágico perdido em um hotel e sua luta insana para descobrir como sair do lugar

Mr. K (Foto: Divulgação/Looke)
Mr. K (Foto: Divulgação/Looke)

É muito comum as pessoas confundirem realismo fantástico com surrealismo, especialmente quando esses gêneros artísticos são utilizados no cinema. A diferença é bem sutil. O surrealismo usa o inconsciente freudiano para revelar uma outra realidade. Ele surgiu no pós-Primeira Guerra, tem precursores como o cineasta espanhol Luis Buñuel, com o seu perturbador Um Cão Andaluz, de 1929. Já o realismo fantástico mistura realidade com fantasia, sobrenatural e até ficção-científica.

Existem dezenas de obras cinematográficas recentes de realismo fantástico que, por si só, mostram como esse gênero faz sucesso: Asas do Desejo (1987), Pleasantville – A Vida em Preto e Branco (1998), O fabuloso destino de Amelie Poulain (2001), Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), O Labirinto do Fauno (2006), e O Curioso Caso de Benjamim Button (2008).

É nesse contexto que se encaixa o curioso e intrigante Mr. K, estrelado por Crispin Glover, conhecido pela trilogia De Volta para o Futuro. Ele é um mágico decadente, que vaga pelo interior fazendo apresentações em boates e restaurantes. Depois de uma fracassada apresentação num clube noturno, Mr.K se hospeda num pequeno hotel, antes de continuar sua viagem para sua próxima apresentação.

Se sua carreira como mágico parece estar nas últimas, esse hotel não parece ir bem das pernas também. Ao chegar no quarto, a primeira surpresa é encontrar o zelador embaixo de sua cama, e a camareira dentro do guarda-roupas. Aos poucos, aquilo que poderia ser considerado algo raro, parece fazer parte da rotina do lugar.

K não consegue descobrir como chegar ao lobby do hotel. Ele tenta de todas as maneiras, tendo a impressão de estar num labirinto ou, pior, num lugar onde os corredores mudam de posição para evitar que as pessoas consigam chegar a algum lugar, lembrando o que acontece com a equipe de documentaristas no filme A Bruxa de Blair (1999). E vai ficando pior.

Ao tentar recuperar suas malas, que desaparecem numa dispensa em um dos corredores, K acaba entrando numa área que está se preparando para um desfile de moda comandado pela exuberante Gaga (Sunnyi Melles). Enquanto tenta entender o que está acontecendo. K acaba parando na cozinha do hotel, onde é colocado na linha de produção do próximo jantar.

O filme, criado pela imaginação muito fértil da cineasta norueguesa Tallulah Hazekamp Schwab, não é um quebra-cabeças fácil de montar. Exatamente por estar dentro desse realismo fantástico, não existe uma resposta fácil para a pergunta definitiva que Mr. K tenta encontrar: como sair daquele lugar.

Disponível no Looke, Mr. K parece uma mistura bem exagerada dos cultuados Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese, com a comédia pós-apocalíptica Delicatessen (1991), da dupla Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet. Em que uma tentativa de fugir de um lugar com personagens estranhos pode revelar algo muito mais intenso e surreal. Até mesmo divino.

Crispin Glover é a força motriz desse filme. Um ator de método, que não se expõe, mas constrói personagens tão intensos que vale cada minuto do filme. E sem fazer mágica…

Paulo Gustavo Pereira

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